Oficina livre de Pipa. Ocupação Eliana Silva, Belo Horizonte - MG. Setembro / 2012
"Muitos estudantes, especialmente os mais pobres, percebem intuitivamente o que a escola faz por eles. Ela os escolariza para confundir processo com substância. Alcançado isto, uma nova lógica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, melhores os resultados; ou, então, a graduação leva ao sucesso. O aluno é, desse modo, «escolarizado» a confundir ensino com aprendizagem, obtenção de graus com educação, diploma com competência, fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua imaginação é «escolarizada» a aceitar serviço em vez de valor"
Ivan Illich
Ivan Illich
Quando comecei a filmar o documentário sobre educação democrática em janeiro, com o Raul Perez (http://oracaoemmovimento.blogspot.com.br/2012/06/o-controle-nas-escolas-tem-dias.html), era forte defensor de uma escola repensada (ou alternativa se considerarmos como padrão a escola disciplinadora atual), mas não cogitava defender a desescolarização(2) em nenhum momento, até porque eu ainda pouco compreendia sobre o assunto.
Uma das mais importantes entrevistas que realizamos foi com Tião Rocha, uma longa e deliciosa lição de vida, carregada de ricas experiências, que durou quase três horas (fizemos apenas duas perguntas). Tião declarou-se abertamente contra a escola, argumentou sobre as posições hierárquicas, sobre o poder e sobre a profunda diferença entre ensinar e aprender, onde o Educador é aquele que aprende. Tião expressava uma certa aversão até mesmo a palavra escola, me parecia algo dolorido a ele, falar desta instituição.
Semanas depois fomos filmar o CPCD em Curvelo - MG, projeto plataforma que Tião e sua equipe desenvolvem em algumas cidades do Brasil, entre os projetos que abarca estão três educacionais, todos no contra-turno escolar, nunca como escolas. Então comecei a entender aquilo, a democracia na pedagogia da roda, o aprender brincando e a convivência com muita afetividade. Mas ainda assim não entendia porque ele não reinventou a escola institucional, ao menos assim ele não forçaria meninas e meninos a ficarem presos em um dos períodos do dia.
Depois foi a vez da Tia Dag, na Casa do Zezinho. Senti em sua fala a mesma dor e a mesma aversão ao falar da escola. A essas alturas (mais de quatro meses respirando o filme e o projeto) eu já estava muito mais convencido do que durante o processo de pesquisa, de que a escola atual, disciplinadora, é pior do que presídio, que aliás os presídios são inspirados nas escolas. Mas ainda assim, não compreendia por qual motivo ela e sua equipe foram capazes de em 18 anos construir aquela coisa maravilhosa, que atende hoje mais de 1000 crianças diariamente (de forma democrática, estimulando a criatividade, a convivência afetiva, o conhecimento das cosias e de sí mesmo, ...) e não ter de alguma forma reinventado a escola obrigatória, a instituição.
Até que, enfim, tomei contato com a obra de Ivan Illich, em especial o livro "Sociedades sem escolas". E entendi como foi fundamental não ter descoberto isso antes, mas durante o processo. Illich é um visionário, já falava em 1971 sobre as redes de conhecimento e o aprendizado livre, longe da hierarquia escolar que reproduz o massacrante modelo atual de nossa civilização. Em sua obra ele descontrói o progresso e as instituições, demonstra claramente o absurdo que estamos cometendo com as escolas que temos hoje. E mais especialmente ainda, no final de seu livro, discorre sobre o processo de aprendizado em rede, do modo como este caminho é libertador.
Obviamente que se trata de algo radical se compararmos com a situação atual, já que nossa sociedade é profundamente arraigada no vigiar e punir controlador das instituições. Mas tomar contato com este texto, me fez compreender que a reinvenção pode ser muito mais complexa e certamente não será homogênea. Teremos em um primeiro momento diversas escolas (ou não escolas) em diversos lugares de diversas formas (cada uma se reinventando e sendo, enquanto individualidade, enquanto escola única, assim como me alertou José Pacheco em 2009). E em um segundo momento, algo que talvez ainda nem consigamos conceber na imaginação, mas arrisco dizer que serão as verdadeiras cidades-escolas, com aprendizado livre, onde tudo e todos os lugares são propícios a troca, as vivências, a propagação do conhecimento, da arte, da expressão e da vida.
Para concluir, uma dose de inspiração:
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(2) des + escolarizar. Escolarizar (dicionário aurélio): Submeter-se ao ensino escolar.
(3) O título original desta postagem era "Sociedade sem escolas", o que foi alterado conforme sugestão de Luiz de Campos, conforme pode ser verificado no comentário.
parabéns pelo texto Antonio, assino sem pestanejar!
ResponderExcluirapenas faria uma pequena correção ao título, chamaria de "Sociedade Desescolarizada".
faria isso por dois motivos, primeiramente porque esse era o titulo original da obra editada em 1971, tanto na versão em espanhol (La Sociedad Desescolarizada) como na edição em inglês (Deschooling Society)... e, principalmente, porque esse nome explicita bem melhor o pensamento da obra: não se trata de acabar com as escolas e sim de desescolarizar nossa cultura.
abs, luizcjr.
ps. a nova edição em português da obra, editada pela editora deriva, já trás o título mais apropriado, veja:
http://www.deriva.com.br/?wpsc-product=sociedade-desescolarizada-ivan-illich
também gosto muito deste videozinho...
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=Rumvh3QnL38
Tragicômico retrato do cotidiano dos estudantes e professores na grande maioria das escolas. Trecho com a animação produzida por Ellen Stein, parte do documentário "Democratic Schools" de Jan Gabbert (2006).
Site: http://en.democratic-schools.com/